segunda-feira, 21 de julho de 2014

PRODUÇÃO DA CASTANHA DE CAJU: Informais complicam estatísticas



























A ENTRADA do sector informal no processo de comercialização da castanha de caju está a contribuir para a deturpação das quantidades produzidas em cada campanha no país.
Na última campanha, por exemplo, as estimativas oficiais apontam para uma produção média de 60 mil toneladas, mas acredita-se que metade deste valor pode ter ficado nas mãos dos informais, não podendo ser, por isso, aferida.
Dois estudos realizados pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e um consultor independente apontam que cinquenta por cento do valor que é normalmente declarado fica nas mãos do sector informal.
A directora do Instituto Nacional de Fomento do Caju (INCAJU), Filomena Maiopué, reconhece que, não obstante este elemento, a produção da castanha de caju no país tem vindo a decrescer nos últimos anos devido também às mudanças climáticas. Lembre-se que há bem poucos anos, a produção da castanha atingiu as 90 mil toneladas.
Em entrevista cujos excertos transcrevemos a seguir, Maiopué fala dos esforços em curso visando a recuperação do parque cajuícola nacional e dos constrangimentos para a provisão da matéria-prima para a indústria nacional, como resultado da concorrência desleal imposta pelos informais. Siga a entrevista:
NOTÍCIAS (NOT.) – Duma maneira geral quais são os cenários actuais que se desenham no sector do caju?
Filomena Maiopué (FM) –Neste momento, a indústria do caju no seu todo, quando falamos da indústria estamos a falar de toda a cadeia, desde a produção, comercialização até ao processamento. Como sabem, há bem poucos anos, a produção andou à volta de 90 mil toneladas, mas nos últimos dois anos, ela caiu devido a vários factores, fundamentalmente, devido ao clima. No entanto, em termos de comercialização, houve uma entrada agressiva do sector informal o que faz com que uma grande parte da informação estatística sobre a produção e comercialização não seja captada. Significa que se em 2013/14 que foi a última campanha, falamos de 64 mil toneladas comercializadas, também houve muita casta comercializada nos moldes informais o que não possibilitou a captação dos números. Aqui é preciso dizer que houve estudos que foram realizados, um pela Faculdade de Agronomia da Universidade Eduardo Mondlane e outro por um consultor independente que indicam que da castanha produzida, perto de metade é declarada e a outra metade fica nas mãos do sector informal.
NOT.– …. e como é que fica?
FM – Todos sabemos que quando chega a época da comercialização há muita gente que vai para o campo e compra um ou dois sacos e que depois de vender retorna para ir buscar mais. Então, esta castanha não consegue contabilizá-la. Quer dizer, a questão da contabilização das quantidades comercializadas enfrenta um constrangimento devido a este factor. Não queremos com isto negar que a produção baixou, mas deve ficar claro que há muita castanha que não entra no circuito formal de contabilização. Também não estamos a dizer que isso seja mau, porque na verdade as pessoas precisam de consumir o que produzem. Significa isso que a produção real pode chegar neste momento nas cerca de 80 mil toneladas.
NOT. – Como é que estamos em termos de novos plantios?
FM – Esta é uma das nossas grandes apostas. Continuamos a expandir a produção, através dos nossos viveiros. Produzimos as mudas e disponibilizamos aos produtores. Estamos a trabalhar com base no Plano Director do Caju II, onde temos uma linha a seguir que, felizmente até agora, temos estado a conseguir implementar conforme está plasmado embora, de alguma forma, enfrentamos alguns constrangimentos devido à insuficiência de recursos financeiros.
NOT. – Estamos a falar de um plano de plantio de quantos cajueiros por ano?
FM – No Plano Director, a estimativa é mais ou menos entre 2500 mil e três milhões de plantas por ano. O nosso plano é de dez anos, mas nesta altura, a partir de 2015 a previsão de produção e plantação anda à volta de três milhões de mudas por ano, todavia, naturalmente, isso está condicionado a este factor recursos porque depois da aprovação do orçamento temos que redimensionar as actividades. Neste momento, devido a este factor recurso, estamos a plantar dois milhões a 2500 mil de cajueiros por ano.
NOT.– Estes números são maus na vossa óptica?
FM –Os números não são maus, agora o desafio para nós é como monitorar estas plantas depois que saem do viveiro para o campo. Assumimos que este é um constrangimento que temos que enfrentar e estamos a trabalhar com parceiros para que no mínimo dos mínimos, 75 a 85 por cento das plantas que vão ao campo possam sobreviver. As outras morem por insuficiência de água ou porque alguém plantou e não teve condições para fazer a sacha e depois ocorrem as queimadas descontroladas. Aquilo que nós sentimos é que vale a pena insistir porque aquelas plantas que resistem dentro dos próximos anos vão dar um grande contributo na produção. Portanto, não podemos desistir, vamos insistir.
NOT.– O plantio vem de algum tempo a esta parte. Haverá resultados neste momento, tendo em conta que um bom número de cajueiros é velho?
FM – Sim, penso que há resultados porque de acordo com alguns inquéritos realizados pelo sector da Agricultura, em 2010 por exemplo, temos indicações de quantas plantas velhas, novas e as plantadas naquele ano. Mas também estamos em condições de dizer que as plantas que foram colocadas no campo há mais tempo já estão a produzir e isso é testemunhado pela crescente qualidade de castanha que é colocada no mercado. É assim porque a castanha que resulta de cajueiros velhos também tem uma baixa qualidade. As novas plantas resultam de clones melhoradas que foram sendo produzidas pela investigação e oferecem uma qualidade e tamanho diferente das velhas. É por isso que nós tomamos nos últimos tempos uma medida de proibir a exportação da castanha de baixa qualidade que é para, também, credibilizarmos a nossa produção e ao mesmo tempo valorizamos mais o nosso produto.
NOT.– A questão da monitoria ou informação estatística foi sempre um grande desafio do INCAJU. O que está a falhar?
FM – Está muito difícil porque, como disse, a única informação fiável que temos é da castanha que é exportada e aquela que é processada de forma formal. Mas em contrapartida, há muita informação que continuamos a não captar. Significa que não avançamos muito. Tínhamos previsto um estudo para nos ajudar a ver como é que podemos sair deste constrangimento, mas como referi, devido a limitações financeiras este estudo caiu.
EQUACIONA-SE FIXAÇÃO DO PREÇO DE REFERÊNCIA
Sabe-se que algumas pessoas sobrevivem da produção e venda da castanha de caju. Tem a ideia do número de pessoas têm a castanha como fonte de rendimento no nosso?
FM – Neste momento e de acordo com o estudo do Ministério da Agricultura temos cerca de um milhão e quatrocentos mil pessoas em todo o país. O número está a aumentar porque há poucos anos falava-se, apenas, de um milhão de pessoas.
NOT.– Qual tem sido o preço nesta subida do número de pessoas?
FM – A tendência do preço da castanha bruta é de subir, mas é uma subida forçada pelo sector informal. É assim porque os informais quando vão ao campo oferecem melhor preço que os industriais e os exportadores. Estes fixam os preços com base no mercado internacional da amêndoa e isso provoca uma concorrência quase que desleal entre as partes. E esse é um dos pontos em que estamos a reflectir para levar ao Conselho Coordenador do Ministério da Agricultura, para partilharmos com os outros da área. A nossa ideia como INCAJU é que se sugerisse um preço de referência anual que tenha em conta as flutuações que se verificam no mercado internacional. O que queremos é ouvir as sugestões dos colegas para ver o que realmente podemos fazer de modo a que todas as partes saiam a ganhar neste processo.
NOT.– Que passos foram dados nesse âmbito?
FM – Criamos um grupo de trabalho que está a fazer um drafit sobre a proposta. Já discutimos a primeira versão com os actores principais que são os industriais, os comerciantes, exportadores, o Ministério das Finanças através da Autoridade Tributária. É um conselho no qual discutimos sempre os problemas ou aspectos do caju no seu todo. O que aconteceu é que à primeira vista há consensos nesta matéria, mas achamos que temos que afinar mais a ideia e submeter ao conselho coordenador do ministério para mais apreciação.
NOT.– Sem esta fixação do preço de referência o que é que pode acontecer pela frente?
FM – Bom, é sempre incerto, mas na verdade, os industriais já se queixam da falta de matéria-prima para processar devido a esta concorrência desleal e ainda estamos a gerir o problema. Há quem até chegou a sugerir que parássemos com a exportação da castanha em bruto, mas chegamos à conclusão de que o problema não tem a ver com a exportação, mas sim com esta questão da concorrência que é imposta pelos informais. É preciso ver que no ano passado os informais chegaram a comprar a amêndoa a 25 meticais o quilo, e os formais, cujo preço ideal era 15 a 16 meticais foram arrastados a terem que pagar no mínimo 20 meticais pelo quilo. Naturalmente que isto é bom para o produtor, mas cria desequilíbrios na cadeia produtiva no geral. 
PRINCIPAIS FÁBRICAS CONTINUAM EM NAMPULA
NOT.– Como é que estamos do ponto de vista da indústria transformadora?
FM – É verdade que eles estão a reclamar pela concorrência, mas por aquilo que sabemos várias unidades estão a trabalhar. Continuamos a não ter unidades em algumas zonas como a Zambézia. Posso garantir que as principais fábricas em Nampula continuam a operar, em Maputo temos a União Geral das Cooperativas que continua a produzir, em Inhambane também existe lá uma fábrica. O que posso dizer é que na zona Sul há dificuldades em termos de mão-de-obra, porque não é fácil encontrar pessoas habituadas ao processamento manual.
A nossa recomendação aos industriais é que coloquem as máquinas semi-mecânicas porque já existe tecnologia para isso e que pode minimizar a questão do corte manual. Em Nampula, por exemplo, todas as fábricas já têm uma parte, de máquinas semi-industriais.
NOT.– O Plano Director do Sector apresenta metas de produção superiores a 100 mil toneladas nos próximos anos. Não será bastante ambição pensar assim?
FM –O importante é que temos que ter desafios e não termos medo de concretizá-los. Nós quando desenhamos o plano não olhamos apenas para o sector familiar, estamos a contar com um forte envolvimento do sector privado ou grupo de pessoas que possam fazer a partir de dez hectares até 100 hectares. Se aparecerem muitos moçambicanos a se organizarem em farmas para a produção de caju é possível atingirmos esses números.
NOT.– Existe algum apoio à população no sentido de abraçar este tipo de negócio?
FM – Estamos a apoiar e, por exemplo, este ano, fizemos o lançamento da campanha de pulverização de caju na província de Nampula, numa farma de um produtor que tem sete mil plantas. Tem estado a fazer o controlo de pragas e doenças e ele disse que depois de recolher a castanha também aproveita o falso fruto que como se sabe chega a ter um maior rendimento e é aqui que a sociedade deve começar a mudar de mentalidade e perceber que está aqui uma oportunidade de renda, se calhar superior ao da amêndoa.  
NOT.– Quantas plantas serão pulverizadas este ano?
FM – Neste campo, como disse, já iniciamos na região Norte, depois seguirão as províncias do centro e sul. A última cerimónia de lançamento será na província de Inhambane no dia 30 de Julho. Significa que estamos em fases e esperamos que até Setembro terminemos com as pulverizações. O número a pulverizar a nível nacional é o mesmo do ano assado, cerca de 4500 mil plantes. Estamos limitados pelo custo do produto químico que é bastante elevado e não temos como elevar as quantidades para suportar a área pulverizada.
Se fosse possível todas as plantas seriam pulverizadas, mas como se sabe, este químico chega aos produtores sob forte subsídio do Estado.
NOT.– Como é o processo de fornecimento dos químicos?
FM – Neste momento fazemo-lo com base em concursos públicos para apurarmos as empresas que fornecem. No entanto, estamos a estudar a possibilidade de os fornecedores passarem a trazer os químicos ao mercado, de modo que aqueles produtores que tenham capacidade possam adquirí-lo mesmo estando fora do esquema de fornecimento do Governo. As máquinas pulverizadoras já estão no mercado e o desafio agora é trazer os químicos.
NOT.– Só para se ter uma ideia quanto é que custa pulverizar uma planta neste momento?
FM - Depende da região. No Norte e no Centro são necessários três etapas de pulverização e o custo subsidiado é de 30 meticais por planta. No Sul tem que se aumentar mais uma etapa e o custo subsidiado sobe para 40 meticais.
Titos Munguambe

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